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Ana Paula Mendes de Oliveira: Ana. Existe outra além dessa carapaça que vos fala e isso que enxergas! obs: sem compromisso com a gramática

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segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

25.12.16

Era no verão em que Frankie se sentia enjoada e cansada de ser Frankie. Odiava-se, tornara-se uma vagabunda, uma inútil que rodava pela cozinha: suja e esfomeada, miserável e triste. Demais, era uma criminosa... Aquela primavera fora uma estação estranha, que não acabava. As coisas puseram-se a mudar e Frankie não compreendia a mudança... Havia algo nas árvores verdejantes e nas flores de abril que a entristecia. Não sabia por que estava triste, mas por causa dessa tristeza singular pensou que deveria ter saído da cidade... Deveria ter saído da cidade e ido para longe. Pois naquele ano a primavera fora displicente e açucarada​. As minhas tardes passavam devagar e a doçura da estação dava-lhe nojo... Cedo pela manhã ia, às vezes, ao pátio e ficava um bom momento a olhar a alvorada; e era como uma pergunta que lhe surgia no coração e a que o céu não respondia. Coisas que antes nunca notara começaram a impressiona-la: as luzes das casas que percebia à noite quando passeava, uma voz desconhecida saindo de um beco. Olhava as luzes, ouvia as vozes e algo dentro dela retesava-se à espera. Mas as luzes apagavam-se, a voz calava e, apesar de sua espera, era tudo. Tinha medo dessas coisas que a levavam a pergunta-se repentinamente quem era, que iria torna-se no mundo, e por que se achava ali a ver uma luz, a escutar e fixar o céu: sozinha. Tinha medo e o peito oprimia-se estranhamente.
... Passeava na cidade e as coisas que via e ouvia pareciam-lhe inacabadas​ e havia nela aquela angústia. Apressava-se em fazer alguma coisa: mas não era nunca o que devera ter feito... Após os longos crepúsculos da estação, depois de ter perambulado pela cidade toda, seus nervos vibravam como um melodia melancólica de jazz, seu coração endurecia-se e parecia parar.
Trecho de um livro de Carson Mac Cullers, apresentado por Simone de Beauvoir no O Segundo Sexo.

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